No quintal enorme, cheio de horta, de galinha, de gangorra de pneu, de tijolo que sobrou da construção, de alpiste que passarinho jogou pra fora da gaiola e de roupa de mãe estendida no varal, dava pra ver o caracol fugindo do sol quente. Solitário...
O caracol despreocupado ia embora, na direção do canteiro de couve, sonhando em morar nas pedrinhas que cercavam o paraíso feito de terra.
Será que caracol, quando nasce, recebe de presente a casa em que vai passar os dias todos de sua vida? E a casa cresce com ele ou, depois de homem feito, o caracol dá um jeito de arrumar um prédio pra morar nele? Pra subir os andares do prédio, ele usa elevador ou uma escada em caracol?
E por dentro? Será que a casa é grande? Será que tem sala, cozinha, banheiro e quarto com espelho?
Ah, e como é mesmo que caracol toma banho? Será que consegue esfregar o pescoço, espumar o dedão do pé e secar os ouvidos?
Alguém sabe responder também se ele vê televisão ao ficar horas e horas mergulhado na solidão?
Enquanto isso...
o caracol, pra não perder o caminho de volta, foi deixando um traço brilhante no chão, feito pincel mágico. As anteninhas no alto da cuca, igualmente molengas, se mexiam cada uma para um canto diferente, tentando achar um lugar calminho pra repousar.
Quando encontrou um porto seguro, o caracol parou e por lá permaneceu quietinho, na sombra de umas folhas secas, no fresquinho do bem-bom, e cochilou o resto do dia.
O Pássaro das Sombras